CAPÍTULO 6

      Ok, muita calma nessa hora. Estou acostumada a viajar bastante, mas tudo isso é muito real. Muito concreto, com muito sentido. Acho que eu só preciso entender o que é vivenciar o amor em diferentes momentos de uma vida. Quer dizer, desde que a gente nasce a gente experimenta de alguma forma o amor. É, ainda que a gente não lembre. Ainda que tudo pareça ter sido apagado da nossa caixa de lembranças. E depois, bom, depois a gente consegue sentir com mais intensidade essa sensação tão boa de se apegar a outros corações, conforme a gente vai crescendo. É claro que o amor sempre é o mesmo, ele não muda a sua tradução, mas diferente dele, nós sim mudamos, e passamos a sentir todas as coisas de formas diferentes.
       Às vezes mudamos para menor intensidade e em outras para maior, mas a verdade é que sempre estamos exercendo o amor, porque não enjoamos dele. De uma forma ou de outra, sempre amamos, e parece que somos viciados nisso. Tem gente que ama um Cactus, gente que ama seu bichinho de estimação, e não precisa ser um cachorro não! Tem gatinho, porco, papagaio e até pato! Tem gente que ama comida, e gente que ama amigo virtual que nunca conheceu. Tem amor para todo o lado, mas o mais importante é que todo mundo ama amar.
     Quer saber de uma coisa? Agora eu também amo esse apartamento, vai ser meu novo lugar favorito no mundo. Pelo menos, é algo que agora eu sei que é meu. Só meu. É como um depósito de emoções e tesouros. Bom, você sabe que emoções também são tesouros, né? Se não sabia, agora está sabendo. Fascinada com esse mundo inteiro de possibilidades que eu ganhei conhecendo algo que embora eu já conhecesse, de certa forma ainda não conhecia, eu dei o suspiro mais longo da minha vida, e ele traduziu um livro inteiro de emoções. Eu estava mais viva do que nunca.

CAPÍTULO 5

        Você já parou para pensar que o amor é uma droga? Não porque ele nos machuca, nos faz sofrer e faz a alma toda doer às vezes, mas porque ele vicia. O amor é como uma droga, porque deixa todos que o experimentam com dependência. Depois de provar, não tem mais como deixar de sentir vontade. De repente você até consiga ficar por um tempo sem ele, tipo uns 3 minutos enquanto come, mas quando você se levanta para ir largar o prato na pia, você já começa a sentir vontade de tê-lo de novo. Os sintomas são os mesmos que se tem ao consumir crack, maconha e semelhantes. Quando não se pode tocar no amor, e senti-lo invadindo todo o seu ser, você fica ansioso, triste, sem vontade de nada, nervoso. Mas não é ruim ser drogado quando é pelo amor. 
         Quando eu voltei ao apartamento, resolvi conhecer todos os cômodos. Primeiro porque novamente não havia ninguém ali, e segundo, porque como eu já disse, eu me sentia em casa, ainda que nunca tivesse visto tudo o que me rodeava ali. Mas não importa, a sensação foi de pertencer àquilo. Saindo da sala, encontrei um quarto. Quando acendi a luz, eu simplesmente gelei. Havia ali uma estante de livros, e eles estavam organizados da mesma maneira que eu organizo os meus, seguindo uma divisória racional de variação de cores, de maneira que se formem vários degradês, que só são quebrados quando há uma sequência de volumes e eles precisam ficar juntos mesmo não tendo cores parecidas. Ao que tudo indica, esta estante servia como uma cabeceira, porque os livros estavam bem “surrados”, mas guardados com muito carinho, deixando claro que eram lidos frequentemente. Além disso, a sala já era recheada de livros, não teria sentido ter mais no quarto, a não ser que eles fossem lidos todo tempo.
         Não bastasse a organização do mesmo estilo da minha, eu vi uma caixa idêntica à que guardo as cartas e cartões que meus amigos e familiares me enviaram durante toda a vida. Nesse momento, não importou o quão errado pudesse ser mexer nas coisas que não são minhas, eu precisei ver que o que tinha dentro dela não possuía nenhuma relação com tudo que estava guardado dentro da minha.
Lentamente eu caminhei até ela, e com muito cuidado para não estragá-la, puxei a tampa delicadamente. Havia mesmo muitos papéis ali, a maioria dava os ares de cartas, pois estavam dentro de envelopes com selos, mas também tinha um pedaço de pano no fundo da caixa, sendo esmagado por toda a papelada. Retirei todo o papel de cima para poder ver, e não precisou de mais nada para eu entender porque estar ali me parecia tão familiar e porque alguém organizou os livros seguindo a mesma linha sem sentido, ou de maneira totalmente movida pela influência de um toque muito grande. Era porque tudo aquilo pertencia à mim.

CAPÍTULO 4

        Quando despertei, eu estava no completo escuro, e demorou cerca de 2 minutos até que meus olhos se acostumassem com ele e começassem a enxergar alguma coisa. Bem lentamente, eu fui me levantando e tentando decifrar o que havia ao meu redor. Eu não sabia onde estava, mas de certa forma, me sentia em casa. 
 Percebi que havia uma longa cortina, no que obviamente era uma janela, e após me surpreender em como ela era grande – quase chegava até o chão – eu resolvi puxá-la para poder ver o que ela escondia. Quando puxei, a luz da Lua bateu suavemente nas almofadas exageradamente fofas feitas com penas de ganso, que certamente serviam de apoio para a cabeça do dono delas, porque estavam no braço direito de um sofá, ocupando quase um lugar inteiro, fazendo com que eu a acompanhasse sem descobrir o que a vista continha. 
         Fiquei tão excitada com tudo, que decidi explorar o lugar antes de me virar novamente para a janela. Sobre uma mesinha de centro, estavam algumas revistas e anotações, junto de um café. Eu quis ver sobre o que eram. Chegando mais perto, eu pude decifrar que as anotações se tratavam de duas listas: uma de músicas e outra de livros, e a revista era de decoração de interiores. 
      Procurei uma chave de luz para poder ver mais coisas, e quando encontrei, meus olhos paralisaram diante de tanta beleza: estantes vintage ocupavam uma parede enorme e cuidadosamente pintada de branco, enquanto as cortinas, agora cor de gelo amaciavam o impacto da grande janela. Na parede onde ficava a TV, um papel de parede imitando tijolos brancos havia sido instalado, e vários quadros enfeitavam prateleiras em formato de cubos vazados, dispostos em uma linha diagonal.
         Olhando para a minha direita, encontrei uma pequena escrivaninha de canto, cheia de potes com lápis, canetas e aquarelas. Também havia um banquinho rosa, sem encosto. Decidi finalmente desvendar a janela. Era uma cidade que ela acomodava dentro de si. Muito grande e acordada. Era uma vista simplesmente linda, criada do que provavelmente era o décimo andar de um apartamento extremamente charmoso. Maravilhada e com os olhos cansados de ficarem tão admirados, pisquei duas vezes - pois eles já estavam muito secos - e sem querer, voltei para o meu quarto. Mais uma vez, ali estava eu, a mesma pessoa de sempre, fitando a mesma janela de sempre.

CAPÍTULO 3

        O anoitecer de 25 de abril já era banhado pela Lua, os carros andavam em suas fileiras usuais a cerca de 40km/h e os restaurantes esbanjavam aromas e sons de risadas, que chegavam até mim em uma velocidade superior a daqueles que transitavam pelas ruas. A tristeza transbordava por meus olhos e eu sentia uma tremenda solidão. Eu decidi então mergulhar nas mais diversas aventuras amorosas que eu pudesse encontrar pela internet. Eu sou viciada em livros desde meus 13 anos, quando fui obrigada a ler para apresentar resumos na escola. E isso tem significado e sentido para mim e para minha vida. Os livros me fizeram me afogar no amor e me atirar em encontro aos meus sonhos mais estimados, que permanecem até hoje. Livros às vezes contam só histórias, e em algumas outras, estórias, mas eles também são a base da formação de novas vidas, estimulantes no que diz respeito a acreditar que o mundo pode ser um lugar legal e impactante de se viver. Bem, mas minha carreira como devoradora de livros começou com Diário da Princesa II: A princesa sob os refletores, da Meg Cabot, e esta mesma senhora é a responsável por me fazer acreditar em contos de fadas, ainda que distorcidos, e com largas pitadas de decepções e barreiras. No entanto, neste começo de noite, eu resolvi não voltar às raízes e me lançar em um território desconhecido.
        Olhando títulos e mais títulos de livros, com suas respectivas sinopses, eu percebi que eu era muito mais movida pela emoção do que pela razão. Começando que eu nunca dei bola para a história em si, de nenhum livro, muito menos para o título, e sim para a capa. Sim, eu conheço a frase que diz para nunca julgar um livro pela capa, mas eu decido o que ler por meio dela. Sabe por que? Porque eu escolho as capas que me fazem contar histórias sobre elas sozinha, e aí eu posso me surpreender com os enredos escolhidos pelos autores quando eu os ler. Decidi, então, parar com a busca por algo interessante, e corri para produzir eu mesma esse conteúdo que eu tanto sentia vontade de possuir. Fui até a fonte de inspiração para tudo o que eu faço: a minha janela. O cheirinho de comida boa e aquelas risadas estavam pedindo uma história de amor. Duas pessoas totalmente opostas e perdidas? Talvez uma garota que queria ser livre como um pássaro e por isso tinha medo de se prender a alguém e um garoto que já entendia que o amor liberta? Quem sabe?! Era preciso apenas respirar bem fundo, fixar nas janelas iluminadas do prédio, fechar os olhos por um segundo e então acordá-los em outro universo.

CAPÍTULO 2

        Ainda me lembro de quando tudo começou. O tempo já estava sendo atingido pelo aquecimento global, e por isso a noite não estava com a temperatura certa para a estação. Estava um pouco frio demais. A brisa que entrava pelas falhas da velha janela do meu quarto fazia cócegas em minhas bochechas, e me provocava para tentar ver suas movimentações. Os pincéis, todos eles atirados pela escrivaninha já manchada por tintas de todas as cores, repousavam junto das fotografias totalmente aleatórias que eu gostava de colecionar. Gostos peculiares, personalidade peculiar. Uma relação praticamente obrigatória, porque gostos peculiares só formam elo com coisas peculiares. E uma personalidade peculiar não poderia ter feito algo diferente daquilo que eu resolvi fazer. Apaguei todas as luzes, e corri para a janela. Em segundos, o brilho das estrelas e dos postes da cidade incendiaram os meus olhos, e por incrível que pareça, também meu coração. Ali, eu viajei pela primeira vez sem sair de casa. Foi no exato momento em que vi um prédio não luxuoso, mas também não pobre - era meio termo - com suas janelas sendo iluminadas por lâmpadas de tonalidade amarelada. Eu sei o que você pode estar se perguntando, mas faz sim toda a diferença a tonalidade delas. A isso que denominamos de “meia luz”, está relacionado carinho, emoção, romantismo, harmonia e felicidade. Pelo menos em minha cabeça.
        O prédio fica a mais ou menos uns 6 quarteirões de onde eu moro, mas essa distância nunca fez diferença desde que eu comecei a enxergar vidas e histórias através daquilo tudo. É como se ele provocasse meus instintos mais íntimos e os aflorasse. É incrível como isso me coloca em caminhos diferentes. Sério. É só a calada da noite chegar, que tudo se transforma. É uma mania que eu adquiri depois de ficar absolutamente apaixonada por me apaixonar todo o dia. Já fui capaz de me ver por anos ali, de conhecer mais e mais sobre mim, de conhecer pessoas e manifestações de afeto diferentes daquilo que a realidade nos apresenta na maioria das vezes.
         Eu viajo para um prédio físico, mas na realidade acaba sendo muito mais que isso, porque eu viajo para dentro de mim mesma, e posso saber sobre meus medos, minhas decepções, meus desejos mais íntimos, sobre o que eu penso e sobre como eu vejo o mundo ao meu redor. É simplesmente tão incrível que precisa ser vivido fora do tempo normal, porque não tem como me conectar comigo mesma dessa forma estando presa a uma realidade criada por homens e mulheres que gostam de apreciar um mundo eternamente preto e branco. A vida é mais do que isso, a vida é amor e o amor tem sua tabela da Pantone – são tons incríveis, combinações magníficas.

CAPÍTULO 1

      Eu sou uma eterna viajante. Sou acanhada na maior parte do tempo e na frente da maior parte das pessoas, mas isso realmente não me impede de me aventurar por aí, porque tudo ao meu redor simplesmente some quando eu me concentro nos meus romances. Quando falo de romance, não englobo somente a paixão, o amor romântico, mas falo também de vida, de amizade, de ventos impetuosos. Eu não sou nenhuma espécie de camaleão ou de pessoa horrível que fica fingindo ser quinhentas coisas ao mesmo tempo, e que fica tirando e colocando máscaras, mas eu aprendi com meus 22 anos de experiência nessa vida, a ir até outros mundos; mundos estes onde eu vivo e conquisto todas as histórias de amor que eu já escrevi nos meus sonhos um dia, onde eu deixo para trás toda a dor do silêncio, para conhecer oceanos mais profundos do que aqueles onde estou acostumada a navegar. 
       Sim, eu tenho um nome, e ele é Spencer. Sou uma pessoa que gosta de ficar sozinha para poder encontrar novos horizontes naquelas coisas que ninguém jamais pensa em prestar atenção. Gosto de criar todas as minhas coisas, de desenhar e de imaginar. Eu sou uma contadora de histórias, só que elas só são contadas a mim. Eu vivo a minha vida olhando o meu redor com as lentes do coração. Sou sim, alguém que está perdida no mar de amor, porque toda vez que eu resolvo me banhar em suas águas, acabo me afogando. Eu posso ser considerada o tipo de pessoa irritantemente chata, porque não compartilho dos mesmos gostos que todo mundo. E não adianta vir com aquela história de que é isso que torna o mundo emocionante, e que cada pessoa é rara porque não há ninguém igual. Não! Tudo bem, isso até pode ser verdade, mas na prática não funciona bem assim. A maior parte das pessoas reparte um ou mais ideais, já eu... Eu sou uma incógnita.